imagem retirada da internet
Para
escrever este texto vou basear-me na criança tímida, cheia de medos,
complexada, insegura e triste que habita em mim. Não posso afirmar que tal se
deva a um determinado acontecimento deveras traumatizante. Não tenho essas memórias.
Do pouco que retenho na minha mente, fui uma criança que cresceu dentro de um
seio familiar com dificuldades, alegrias, tristezas, ganhos, perdas e lutando,
até aos dias de hoje, por uma estabilidade. Tenho presente em mim, que dentro
da conjuntura houve um interesse de me ser oferecido o melhor que se podia e
conseguia. Ainda que isso tenha ficado muito aquém do que aquela criança efectivamente
necessitava para se expressar, olhar com amor e carinho.
Desde cedo criou o seu
mundinho onde se refugiava, dava asas à sua imaginação e vida aos seus sonhos.
Esse espaço sempre fora confortável e feliz mas porque não era real causava-lhe
bastante dor. Essa mesma criança que sofre porque não aprendeu a amar o seu
corpo, a sua imagem, a sua maneira de ser, agir e estar é a mesma que sente
possuir dentro de si uma vida, uma voz enclausurada, aprisionada, que grita a
toda a hora por libertação e que portanto não se conforma.
Lembro
de uma adolescência conturbada querendo criar uma imagem à semelhança do que
acreditava ser aceite, valorizado, reconhecido, amado, ignorando e menosprezando
o mais simples, puro e espontâneo. Muitas foram as vezes que desejei uma pedra
no coração tamanha subjectividade, muitas foram as vezes que me rotulei de
depressiva, ansiosa, com graves problemas existenciais, muitas foram as vezes
que fugi do mundo, de pessoas, de situações e circunstâncias por me ver
incapaz. Muitas foram as tentativas de me reconhecer no mundo, sempre aos
tombos com a ideia de que para isso o mundo tinha de me reconhecer…
Óbvio
que atravessei momentos de muita angústia, confusão, desilusão, tristeza, dor …
tive ataques de pânico, tomei medicamentos para ansiedade e depressão, bebi,
fumei, fui cruel e fechei os olhos para o melhor que a vida tinha para me oferecer.
O sentimento e agonia de perceber o quanto estava aquém de mim mesma, aliada à incompreensão,
à incapacidade de fazer por, à ausência de coragem levou-me à exaustão, cansaço,
desespero e sofrimento. Já adulta permanecia num beco sem saída, desmotivada, sem
encontrar em nenhuma das coisas que o mundo me apresentava um sentido para a
vida, um significado objectivo e claro. Sentia-me perdida, revoltada,
amargurada. Carente de amor, atenção, valor, que o mundo e pessoas por si só não
saciavam. Uma inquietação, desejo por um pacto de paz em mim, por mim, desejo
de me ver feliz, inteira, satisfeita, realizada, capaz! Desejo de poder expressar,
de sair de trás do pano, de deixar cair a máscara e ser! Ser com verdade, ser
no medo, na timidez, na vergonha, na tristeza, na alegria, no complexo de
inferioridade ou quer que seja.
Deixar
de ser vítima de si mesma, dos outros e do mundo, para assumir genuinamente a
parte da sua responsabilidade e agarrar as rédeas da própria vida, é o presente
que essa criança me oferece.
Hoje,
aprendo a relacionar-me com ela de forma amorosa, aprendo a escutar os seus
medos, aflições e a dar-lhe a mão. Aprendo como conduzi-la pelo mundo com senso
de segurança e confiança.
Sinto
que muito há por vir, que muito há para se saber, aprender, descobrir. Que a
dor é inevitável assim como a panóplia de emoções. Que as possibilidades são
infinitas e que é em vão querer agarrá-las, possui-las nas minhas mãos…
A
cada novo dia e de mãos dadas com essa criança eu aprendo a abrir mais um tanto
o coração, e pelo caminho, habilitando a mente, reconhecendo a minha limitação,
impotência e entregando-me a uma inteligência bem maior do que possa conceber
mentalmente.
Hoje
a minha prece não é mais que eu brilhe no mundo mas sim que tenha força,
coragem e determinação para abraçar tudo aquilo que a vida tem para me mostrar,
ensinar e assim poder o mundo brilhar em mim.
Deixo-vos
com um simples poema, uma simples canção que compus, inspirada nessa criança, a
qual decidi não só acolher e abraçar como dar a conhecer.
Om
Sónia.
Este texto foi escrito por Sónia Andrade no âmbito da capacitação de instrutores de vedanta