quinta-feira, 25 de junho de 2015

Vem...


Não queiras ser o durão
Que cala o coração
Esfrega o amor no chão
Não, não queiras não…

Deixa-me ver-te chorar
Não precisas justificar
Prometo, não me vou abalar
Em silêncio, ao teu lado vou ficar…

Não queiras ser o bonzão
Que quer o mundo na mão
Isso combina com desilusão
Não, não queiras não…

Vem, deixa-te ficar
Não precisas reclamar
Prometo que me vou calar
Só para te apreciar...

A cena acabou
O pano fechou
O papel terminou
Vem , sem nada a temer
Que só assim te posso valer…


(Sónia Andrade)

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Cavalo Selvagem


Oh meu cavalo selvagem
Cavalgas pela miragem
Neste cego orgulho a trote
Que frenético galope!

Oh mas que grande ilusão!
Escondes o coração
Que nessa sua beldade 
Exibe felicidade...

(Sónia Andrade) 

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Estudar Vedanta e os Valores...


Para realizar qualquer estudo que me permita assimilar um conhecimento, seja matemática, espanhol, filosofia é importante conduzir a minha mente a um determinado nível de concentração, aquietamento que a permita entender logicamente factores, variáveis, conteúdos. Por essa razão é tão comum verificar estudantes que se isolam nas suas casas para estudar, mesmo que às vésperas de exames e provas orais. Nesse período de tempo, e na proporção do quanto fui capaz de me concentrar, raciocinar, entender e memorizar, assimilei um conhecimento que me aprovará ou não e me qualificará como detentor de conhecimento de uma determinada matéria.
Quando iniciamos um estudo de vedanta é comum que esse padrão nos acompanhe. É o que a mente reconhece, fruto de uma educação, de princípios e valores incutidos por uma sociedade de “fast food”. Falando na primeira pessoa, e condicionada pelo meu tipo de mente, facilmente me impressionava com a quantidade de conhecimento que um professor tinha, quantas palavras sabia em sânscrito, quantos mantras, quantos rituais, quantos ásanas. Fantasiava um perfil de professor assim como o conhecimento. Procurava o reconhecido e mergulhava numa tentativa meio desesperada de absorver todas aquelas coisas que supostamente me trariam o conhecimento e fariam de mim um professor capaz. Mas, não funcionou… como poderia estar a minha mente disponível para tudo aquilo se dentro do meu peito reinava o caos? E mais, como poderia eu sentir-me motivada para aprender tudo aquilo? Parecia que o desejo do meu coração em encontrar paz era superior ao desejo de saber todas as coisas, ser reconhecido do tal que é detentor de conhecimento porque domina muito…
Parecia que aqueles trilhos do yoga não eram muito diferentes dos de outrora… como se eles apenas estivessem disfarçados por novas práticas, novos hábitos, escolhas.
Começara então a perceber que teria de haver algo mais. Certamente haveria forma de me conectar com aquelas palavras que lera nos livros e até mesmo aquelas que ouvira de um ou outro professor. Elas eram músicas para os meus ouvidos. Por instantes o meu peito ganhava um fôlego de esperança. Mas porque me pareciam tão distantes e inalcançáveis? Este episódio do meu processo trouxe até mim o entendimento da importância de satya, da verdade. O que me move em direcção ao estudo de vedanta? O que pretendo efectivamente? “Fast food” que alimenta o desejo fugaz da mente em se apropriar de nobre e grandioso acervo, ou alimento que nutre a fome do meu coração em se livrar de tanta amarra, de tanta arrogância e pretensão?
Depois de me encarar olhos nos olhos, sem rodeios e paninhos quentes outros valores se reflectiram essenciais. A capacidade de confiar, de se conectar com a verdade que é desvendada em cada palavra contida nos textos escutados. A capacidade de se entregar a uma tradição de ensinamento e à pessoa que assume o papel de professor. Não se trata de dizer apenas que confio ou que me entrego… isso é pouco e a qualquer momento estarei a tirar as garras de fora, a engendrar mil e uma formas de me escapar, de fugir, de me defender…
Essa confiança e entrega, reconhece-se no coração… como se visse no do outro o meu…
Depois de tal estabelecido urge a necessidade de reconhecer outros… como a coragem, a determinação, a firmeza, persistência e resiliência.
Desmascarar-se, despir-se de tanto adorno e fantasia é doloroso…
Caminhar em direcção ao reconhecimento do mais puro, natural, simples em si, traz consigo muita aflição… como se voltasse no tempo para me sentir, para me ver e voltar a viver a mesma dor… só assim poderei perceber o meu sofrimento, o meu problema existencial e quem sou além de tudo isso. O reconhecimento da nossa criança interior, o papel da família, o papel da mãe, do pai. Este entendimento tem tanto de libertador como de triste. Portanto preciso estar certa ao que me proponho, confiante e entregue para não bacilar e correr a sete pés, e corajosamente resiliente para chegar ao final deste grande enredo.   
Vedantanão é um conhecimento igual a todos os outros que nos acostumámos a absorver. O seu processo é peculiar e exige de cada um de nós o uso dos valores mais fundamentais e essenciais que são causa da criação. Satya, sraddha, virya não se criam…reconhecem-se no âmago do nosso coração, como se pertencessem a uma inteligência, a uma ordem que nos conduz nesta busca humana.
Posso exercitar a minha mente e torna-la hábil a cultiva-los, para que por fim os possa reconhecer como sempre presentes e parte integrante de mim e do todo.
 Om

Sónia.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

A Busca Por Prazer...

imagem retirada da internet

Todo o ser humano é dotado de desejo por prazer sendo este um dos quatro objectivos universais da sua busca. Podemos constatar tal facto desde bebé e tenra idade. Quando vimos ao mundo completamente vulneráveis e entregues ao natural instinto de sobrevivência e confiança verificamos a procura do seio da mãe, a procura do colo, do aconchego e amor. Não é algo que se ensina ou se aprende, simplesmente É e faz parte da inteligência de toda a criação. Como uma flor que desabrocha sem que necessariamente seja semeada por alguém, que cresce entregue aos fenómenos naturais que lhe permite viver esplendorosamente.
Prazer é algo que vem junto com a criação e que me permite viver esta forma humana.
Um bebé agarrar-se ao seio da mãe busca não só alimento como o prazer do aconchego, protecção e amor. E assim dorme tranquilamente, nutrindo-o e contribuindo para um crescimento saudável.
A busca por prazer assume várias formas e pode satisfazer os meus sentidos, agradar o meu ego ou simplesmente tocar o meu coração. Por exemplo eu posso querer uma viola, tocar viola, não necessariamente porque quero ser cantora ou compositora mas porque aquele momento em contacto com som, palavras, música faz-me sentir dos mais variados jeitos que aprecio e me dão prazer. Também posso querer viajar o mundo, ser exímia a nadar ou a fazer ásanas, viver um romance, conto de fadas, comer pipocas, ser rica, poderosa ou simplesmente apreciar um pôr-do-sol, ver a filha a brincar ou a dormir. Tudo tem associado a si o prazer.
Mas então porque desejo e prazer me trazem tantos problemas? O que me leva a sentir sua escrava? O que me leva a uma busca incessante sem que ela sacie o meu senso de carência? Porque careço sempre mais? Porque tudo parece tão pouco e fugaz?
Apenas e só porque ignoro a natureza das coisas assim como a minha. Então, estarei procurando em todas elas o que me traz senso de felicidade, satisfação, contentamento. Naturalmente isso é uma busca sem fim e eu estarei sempre carecendo pois as coisas por si só não são susceptíveis de a saciar. A sua natureza é mutável, impermanente. Se hoje tenho prazer em ouvir rock and rooll e a maior felicidade é adquirir a colectânea dos AC DC, amanhã posso passar a apreciar jazz e a colectânea que adquiri já não ser objecto da minha felicidade e ficar esquecida nas prateleiras do quarto. Posso olhar, ter uma memória positiva, mas aquilo já não sacia o meu actual desejo, já não me dá prazer. Outro exemplo é a busca por um relacionamento perfeito que me traga imensa alegria, prazer, satisfação, contentamento. É um tiro no espaço… não há relacionamentos perfeitos e eles apenas espelham a luz e a sombra que há em mim. Idealizar o outro como a fonte da minha felicidade é como andar num deserto à procura de água que sacie a minha sede! No entanto eu pulo de relação em relação iludida que isso resolverá o meu problema. Como? Se o meu problema também é problema do outro? Hoje estou apaixonada porque finalmente encontrei a cara-metade, que é sensível, bonito, charmoso, delicado e amanhã, quando o fogo esfria, deixo de estar porque descubro que afinal não era… o príncipe vira sapo… e o pior é que teimo nessa maluquice de encontrar cara-metade, príncipe e as mais hilariantes fantasias, na tentativa de me ver feliz, inteira, realizada.   
Desejos e prazer fazem parte do psiquismo humano e nada de errado há com eles. No entanto é importante entender a sua relatividade dentro da felicidade que já sou a todo o momento e que é livre da realização ou não realização de desejos, do prazer ou desprazer. É importante entender que eu sou insatisfeito em mim mesmo e que não é o mundo e pessoas que não me satisfaz. E se de verdade, prazer e desejos são limitados em si mesmos, então apenas ocorrerão momentos ocasionais de prazer que da mesma forma que vêm da mesma forma vão…
Desejos e prazer tendem para infinito e quanto mais quero satisfazer todos eles para me ver livre de carência, mais saberei o quanto careço.
Estarei condenada a arder na fogueira ao invés de dançar ao seu redor…
Om
Sónia.

sábado, 6 de junho de 2015

Religião e Espiritualidade

 imagem retirada da internet

Para que eu possa descobrir o ser livre, inteiro, feliz, imutável, sempre presente, aqui, agora com todas as nuances que compõem a minha existência, o cenário da minha vida e possa efectivamente cumprir o desejo fundamental da busca humana, é importante desconstruir um conjunto de ideias e conceitos criados na mente. É essa desconstrução, proveniente de um conhecimento e entendimento objectivo, que vai criar o espaço que a mente precisa para vislumbrar essa realidade, essa natureza fundamental de cada um de nós.  
Entre vários conceitos e crenças temos o da religião e espiritualidade.
Para poder escrever sobre como os entendo, preciso reflectir sobre a minha experiência e relação com cada um desses conceitos. Como foram percepcionados por mim e como contribuíram na relação comigo mesma, demais e o mundo.
Quando bebé fui baptizada pela igreja católica, que supostamente é um símbolo de entrada numa comunidade cristã. Mas a bem verdade nunca senti que fosse parte integrante de uma comunidade ou grupo. As mensagens não chegavam até mim, nem tampouco me sentia conectada ou motivada em saber sobre cristianismo ou quer que seja.  Fiz catequese até fazer a primeira comunhão e logo abandonei as práticas e rituais. Em casa sempre fui testemunha dos pedidos e orações a Deus, a Santos, a Jesus. Eu mesma orava a Deus todas as noites mesmo sem o entender. Aquele momento aliviava-me, dava-me esperança e fé. Lembro de rezar o Pai Nosso e a Avé Maria que foram as únicas que retive daquela curta experiência e tentativa de integração na igreja católica. Independente disso, para todos os que perguntavam eu era católica não praticante. Não porque soubesse o que estava a dizer mas porque ouvia os meus pais falar e outras pessoas. Acreditava-se em Deus mas não se ia à missa. De facto não encontrara lá os gestos e as palavras que coubessem no meu coração. Tudo me parecia artificial e protocolar. Cresci a imaginar um Deus no céu que olha por nós, que nos protege, ao qual deveria pedir perdão pelos meus pecados e ajuda para não voltar a pecar. Cresci a imaginar um Deus distante que por vezes não era nada justo. Especialmente quando nem mesmo os mais sofisticados pedidos e promessas livravam da dor, da perda e do sofrimento.
Apesar de tudo isso, mesmo sem o entender e meio que revoltada, não o descartava.
Nunca ouvira sobre espiritualidade. E tal palavra sempre me remetia para espiritismo e espiritas, assunto pelo qual não nutria qualquer interesse ou curiosidade. De que me valia saber o quer que seja em relação ao meu passado ou ao meu futuro, o que devo ao não devo fazer? Viveria eu dependente disso? Não queria nem saber!
Antes de iniciar o estudo de vedanta pude fazer parte de um grupo de estudo do texto satpadistotram. Pela primeira vez ouvira sobre espiritualidade e como ela não se opõe à religião, podendo assim perceber melhor o seu papel. Pude ainda perceber Deus assim como reconhecer a natural e espontânea devoção em nós.
Na minha visão e entendimento a espiritualidade é algo que reconhecemos. Que não se cria no tempo ou no espaço. É algo sempre presente, sem início ou fim, que se encontra em todas as formas servindo-as de realidade. Como o exemplo clássico do barro e do pote. O pote é uma mera forma do barro. Se o pote quebrar permanece barro. A forma pode desaparecer mas a base que a compõe não. Assim é com a espiritualidade que dá realidade ao nosso corpo, à nossa mente, às nossas emoções. Corpo, mente, emoções são formas limitadas em si mesmas, efémeras, têm prazo de validade. Mas o que as permeia é infinito no tempo, espaço.   
Espiritualidade é uma realidade além da mente, vislumbrada através da mente. Entender a espiritualidade é entender o ser livre, inteiro e pleno que somos. É entender a nossa essência amorosa e compassiva camuflada pela ignorância proveniente das falsas crenças de quem sou eu, da visão limitada do que me compõe, do que me faz humano, da ausência de entendimento lógico, claro e objectivo do problema fundamental de cada um de nós. E isso não advém por si só de uma fórmula matemática onde provamos por A+B. Na verdade torna-se insignificante já que se trata de algo autoevidente, algo disponível em todos nós que vem junto com toda a criação.
Relativamente à religião entendo como uma ferramenta que se bem usada, conhecida e compreendida pode contribuir para a conexão com o ser espiritual que somos.
Mas infelizmente o que constatamos é que ela tem sido usada destrutivamente, criando fanatismo, guerra, afastando o individuo da sua essência e levando-o aos maiores actos de crueldade, fruto de um exacerbado desejo de exercer poder, advindo de uma mente que ignora, que se ignora.
O conceito religião está muito associado aos vários grupos e comunidades mas a verdade é que ela é dotada de uma profundidade muito maior, além dos desejos e vontades individuais ou colectivos.
Religião traduz uma religação com Deus mas não um Deus criado à semelhança do que me convém, ou um Deus temido, ou um Deus distante. Falamos de um Deus que eu sou, tu és. Um Deus que é a própria criação e a razão de toda a existência.
Viver uma vida religiosa é permitir-se entrar em contacto com uma realidade disponível em todos nós, tocada e vislumbrada através da sensibilidade, humildade, entrega, gratitude, desapego. Uma realidade validada pela compreensão da existência de algo maior que dá forma ao todo onde nos incluímos.
Viver religiosamente é oferecer à mente a possibilidade de se habilitar a compreender e expressar uma força interna, um coração naturalmente alegre, amoroso e compassivo. E assim sendo, devoção será apenas mais um reconhecimento do que se encontra disponível em mim para me servir e servir.
Propor-se à compreensão profunda de quem sou eu, da espiritualidade que me permeia, usando como ferramenta um estudo de vedanta, só é possível quando entendo com clareza o conjunto de crenças associadas a toda uma estrutura religiosa, o que é realmente religião, o que é efectivamente a espiritualidade e de que forma elas se tocam. E assim poderei concluir que em nenhum momento elas se opõem ou oferecem realidades diferentes.    

Harih Om
Sónia.