imagem retirada da internet
Hoje
está um belíssimo dia de Primavera e enquanto apreciava o sol, os pássaros a
cantar, as árvores em flor e tudo a brotar, pensei sobre amor e dor e como
tendemos a repudiar, proporcionalmente, ambos. Li poesia, li obras, escutei
mestres e todos eles afirmando que não há a perceção de um sem o outro e que um
é apenas manifestação do outro. No entanto, constato como fugimos desde cedo à
dor, amortecendo-a, desvalorizando-a, camuflando-a, compensando-a, porque nos
parece insuportável, medonho, assustador e ameaçador para a sobrevivência da identidade
que se cria. Os passos que me afastam da dor são os mesmos que me
afastam da perceção do amor. Aquele que não se cria na e pela conveniência, mas
o que é puro, natural, essencial, responsável pelo impulso de vida, de morte e
desta roda onde todos giramos. Podemos concluir muito facilmente tal realidade,
visitando a nossa criança interna, observando as crianças ou até mesmo as
nossas acções perante a dor de uma criança ou de um adulto que aparentemente
amadureceu fisicamente, mas que emocionalmente permanece aquela mesma criança
de outrora, ferida, incompreendida, não acolhida e amada como desejava. A todo
o momento repudiamos a dor, sopramos a ferida na expectativa que passe o
ardor. Por instantes aliviados e iludidos de que nada se passou e que posso
continuar a criar, a pintar o amor à luz dum ego míope, negligente, caprichoso,
frágil que pela sua natureza, tarde ou cedo, se desmorona por não ser
resistente e sustentável à força da dor existencial que todos carregamos.
Ousar
parar, silenciar, escutar com muita atenção todo o movimento interno é dar-se
oportunidade de resgatar a vida, o amor, a bem aventurança que aprendemos a
repudiar, a colocar em segundo plano em nome de supostos sonhos, desafios,
metas, prazeres fugazes a conquistar e um tal de lugar no mundo externo, um tal
de ser alguém, de ter alguma coisa. Perdidos numa floresta escura, expostos à ferocidade
e à ilusão de que o mundo, pessoas, situações, circunstâncias me darão as respostas,
os remédios de cura, os reais e verdadeiros prazeres de estar vivo. Muitas
serão as experiências, os conhecimentos, as viagens, as conquistas, os amores,
os desamores, as paixões, os romances, os dramas, os terrores. Muitas serão as
horas, os dias, os tempos, os espaços, as vidas. Muitas serão as curiosidades,
os desejos, as fantasias. Todas elas passando por um corpo entorpecido que aprende
a criar as armaduras de ferro ideais para repudiar as sensações de dor e
enaltecer as de satisfação, conforto e prazer. Um corpo que se vicia e que
aprende a negociar, a esquematizar, a qualificar, quantificar. Um corpo
imaturo, ingénuo, ignorante das águas puras, inocentes e tranquilas do rio que
corre os seus recônditos. Um corpo que desconhece a sua compassividade,
inteligência divina que ampara, cuida silenciosamente as maiores atrocidades,
colocando-se incondicionalmente ao dispor. Um corpo que desconhece o real
sentido da palavra amor, amado, amada e que na vulnerabilidade se encontra mais
perto de si mesmo e que curvando-se aos seus pés, se curva aos pés do outro.
Com
amor,
Sónia
A.
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