terça-feira, 21 de março de 2017

Reflexão # 96 - O Amor da Dor e a Dor do Amor...

imagem retirada da internet 

Hoje está um belíssimo dia de Primavera e enquanto apreciava o sol, os pássaros a cantar, as árvores em flor e tudo a brotar, pensei sobre amor e dor e como tendemos a repudiar, proporcionalmente, ambos. Li poesia, li obras, escutei mestres e todos eles afirmando que não há a perceção de um sem o outro e que um é apenas manifestação do outro. No entanto, constato como fugimos desde cedo à dor, amortecendo-a, desvalorizando-a, camuflando-a, compensando-a, porque nos parece insuportável, medonho, assustador e ameaçador para a sobrevivência da identidade que se cria. Os passos que me afastam da dor são os mesmos que me afastam da perceção do amor. Aquele que não se cria na e pela conveniência, mas o que é puro, natural, essencial, responsável pelo impulso de vida, de morte e desta roda onde todos giramos. Podemos concluir muito facilmente tal realidade, visitando a nossa criança interna, observando as crianças ou até mesmo as nossas acções perante a dor de uma criança ou de um adulto que aparentemente amadureceu fisicamente, mas que emocionalmente permanece aquela mesma criança de outrora, ferida, incompreendida, não acolhida e amada como desejava. A todo o momento repudiamos a dor, sopramos a ferida na expectativa que passe o ardor. Por instantes aliviados e iludidos de que nada se passou e que posso continuar a criar, a pintar o amor à luz dum ego míope, negligente, caprichoso, frágil que pela sua natureza, tarde ou cedo, se desmorona por não ser resistente e sustentável à força da dor existencial que todos carregamos.
Ousar parar, silenciar, escutar com muita atenção todo o movimento interno é dar-se oportunidade de resgatar a vida, o amor, a bem aventurança que aprendemos a repudiar, a colocar em segundo plano em nome de supostos sonhos, desafios, metas, prazeres fugazes a conquistar e um tal de lugar no mundo externo, um tal de ser alguém, de ter alguma coisa. Perdidos numa floresta escura, expostos à ferocidade e à ilusão de que o mundo, pessoas, situações, circunstâncias me darão as respostas, os remédios de cura, os reais e verdadeiros prazeres de estar vivo. Muitas serão as experiências, os conhecimentos, as viagens, as conquistas, os amores, os desamores, as paixões, os romances, os dramas, os terrores. Muitas serão as horas, os dias, os tempos, os espaços, as vidas. Muitas serão as curiosidades, os desejos, as fantasias. Todas elas passando por um corpo entorpecido que aprende a criar as armaduras de ferro ideais para repudiar as sensações de dor e enaltecer as de satisfação, conforto e prazer. Um corpo que se vicia e que aprende a negociar, a esquematizar, a qualificar, quantificar. Um corpo imaturo, ingénuo, ignorante das águas puras, inocentes e tranquilas do rio que corre os seus recônditos. Um corpo que desconhece a sua compassividade, inteligência divina que ampara, cuida silenciosamente as maiores atrocidades, colocando-se incondicionalmente ao dispor. Um corpo que desconhece o real sentido da palavra amor, amado, amada e que na vulnerabilidade se encontra mais perto de si mesmo e que curvando-se aos seus pés, se curva aos pés do outro.
Com amor,
Sónia A.


Sem comentários:

Enviar um comentário