sábado, 6 de junho de 2015

Religião e Espiritualidade

 imagem retirada da internet

Para que eu possa descobrir o ser livre, inteiro, feliz, imutável, sempre presente, aqui, agora com todas as nuances que compõem a minha existência, o cenário da minha vida e possa efectivamente cumprir o desejo fundamental da busca humana, é importante desconstruir um conjunto de ideias e conceitos criados na mente. É essa desconstrução, proveniente de um conhecimento e entendimento objectivo, que vai criar o espaço que a mente precisa para vislumbrar essa realidade, essa natureza fundamental de cada um de nós.  
Entre vários conceitos e crenças temos o da religião e espiritualidade.
Para poder escrever sobre como os entendo, preciso reflectir sobre a minha experiência e relação com cada um desses conceitos. Como foram percepcionados por mim e como contribuíram na relação comigo mesma, demais e o mundo.
Quando bebé fui baptizada pela igreja católica, que supostamente é um símbolo de entrada numa comunidade cristã. Mas a bem verdade nunca senti que fosse parte integrante de uma comunidade ou grupo. As mensagens não chegavam até mim, nem tampouco me sentia conectada ou motivada em saber sobre cristianismo ou quer que seja.  Fiz catequese até fazer a primeira comunhão e logo abandonei as práticas e rituais. Em casa sempre fui testemunha dos pedidos e orações a Deus, a Santos, a Jesus. Eu mesma orava a Deus todas as noites mesmo sem o entender. Aquele momento aliviava-me, dava-me esperança e fé. Lembro de rezar o Pai Nosso e a Avé Maria que foram as únicas que retive daquela curta experiência e tentativa de integração na igreja católica. Independente disso, para todos os que perguntavam eu era católica não praticante. Não porque soubesse o que estava a dizer mas porque ouvia os meus pais falar e outras pessoas. Acreditava-se em Deus mas não se ia à missa. De facto não encontrara lá os gestos e as palavras que coubessem no meu coração. Tudo me parecia artificial e protocolar. Cresci a imaginar um Deus no céu que olha por nós, que nos protege, ao qual deveria pedir perdão pelos meus pecados e ajuda para não voltar a pecar. Cresci a imaginar um Deus distante que por vezes não era nada justo. Especialmente quando nem mesmo os mais sofisticados pedidos e promessas livravam da dor, da perda e do sofrimento.
Apesar de tudo isso, mesmo sem o entender e meio que revoltada, não o descartava.
Nunca ouvira sobre espiritualidade. E tal palavra sempre me remetia para espiritismo e espiritas, assunto pelo qual não nutria qualquer interesse ou curiosidade. De que me valia saber o quer que seja em relação ao meu passado ou ao meu futuro, o que devo ao não devo fazer? Viveria eu dependente disso? Não queria nem saber!
Antes de iniciar o estudo de vedanta pude fazer parte de um grupo de estudo do texto satpadistotram. Pela primeira vez ouvira sobre espiritualidade e como ela não se opõe à religião, podendo assim perceber melhor o seu papel. Pude ainda perceber Deus assim como reconhecer a natural e espontânea devoção em nós.
Na minha visão e entendimento a espiritualidade é algo que reconhecemos. Que não se cria no tempo ou no espaço. É algo sempre presente, sem início ou fim, que se encontra em todas as formas servindo-as de realidade. Como o exemplo clássico do barro e do pote. O pote é uma mera forma do barro. Se o pote quebrar permanece barro. A forma pode desaparecer mas a base que a compõe não. Assim é com a espiritualidade que dá realidade ao nosso corpo, à nossa mente, às nossas emoções. Corpo, mente, emoções são formas limitadas em si mesmas, efémeras, têm prazo de validade. Mas o que as permeia é infinito no tempo, espaço.   
Espiritualidade é uma realidade além da mente, vislumbrada através da mente. Entender a espiritualidade é entender o ser livre, inteiro e pleno que somos. É entender a nossa essência amorosa e compassiva camuflada pela ignorância proveniente das falsas crenças de quem sou eu, da visão limitada do que me compõe, do que me faz humano, da ausência de entendimento lógico, claro e objectivo do problema fundamental de cada um de nós. E isso não advém por si só de uma fórmula matemática onde provamos por A+B. Na verdade torna-se insignificante já que se trata de algo autoevidente, algo disponível em todos nós que vem junto com toda a criação.
Relativamente à religião entendo como uma ferramenta que se bem usada, conhecida e compreendida pode contribuir para a conexão com o ser espiritual que somos.
Mas infelizmente o que constatamos é que ela tem sido usada destrutivamente, criando fanatismo, guerra, afastando o individuo da sua essência e levando-o aos maiores actos de crueldade, fruto de um exacerbado desejo de exercer poder, advindo de uma mente que ignora, que se ignora.
O conceito religião está muito associado aos vários grupos e comunidades mas a verdade é que ela é dotada de uma profundidade muito maior, além dos desejos e vontades individuais ou colectivos.
Religião traduz uma religação com Deus mas não um Deus criado à semelhança do que me convém, ou um Deus temido, ou um Deus distante. Falamos de um Deus que eu sou, tu és. Um Deus que é a própria criação e a razão de toda a existência.
Viver uma vida religiosa é permitir-se entrar em contacto com uma realidade disponível em todos nós, tocada e vislumbrada através da sensibilidade, humildade, entrega, gratitude, desapego. Uma realidade validada pela compreensão da existência de algo maior que dá forma ao todo onde nos incluímos.
Viver religiosamente é oferecer à mente a possibilidade de se habilitar a compreender e expressar uma força interna, um coração naturalmente alegre, amoroso e compassivo. E assim sendo, devoção será apenas mais um reconhecimento do que se encontra disponível em mim para me servir e servir.
Propor-se à compreensão profunda de quem sou eu, da espiritualidade que me permeia, usando como ferramenta um estudo de vedanta, só é possível quando entendo com clareza o conjunto de crenças associadas a toda uma estrutura religiosa, o que é realmente religião, o que é efectivamente a espiritualidade e de que forma elas se tocam. E assim poderei concluir que em nenhum momento elas se opõem ou oferecem realidades diferentes.    

Harih Om
Sónia.

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